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quarta-feira, 27 de abril de 2011

O telespectador sensacional

Roberto chegara em casa muito cansado. Havia trabalhado por mais de oito horas naquele dia, situação que acontecia com certa freqüência. Como de praxe, resolveu assistir ao Jornal Nacional para acompanhar as notícias do dia.

A data era 17 de fevereiro de 1986. Uma tragédia havia acontecido no Rio de Janeiro: o edifício Andorinha, localizado no centro da cidade, foi atingido por um incêndio. Apesar de ter certa sensibilidade para ver cenas de horror, Roberto não ligou para o comunicado lido pelo apresentador Cid Moreira, que dizia que a reportagem continha imagens muito fortes e recomendava que tirassem da sala “as crianças e pessoas que se impressionam”. Se arrependeu. As cenas das pessoas se jogando do alto do edifício, aliados aos gritos de desespero da repórter que testemunhava aquele momento, foram demais para o trabalhador. Foram noites de insônias e pesadelos até o restabelecimento.

Um pouco mais velho, nos anos 90, Roberto testemunhou a estreia de um novo programa, que prometia mostrar a “realidade como ela é”. Era o “Aqui Agora”. As cenas de gritaria, correria e desespero impressionavam Roberto, mas ele continuava acompanhando o programa, pois dizia que deveria ficar a par dos acontecimentos. Porém, um dia em que Roberto assistia tranquilamente ao “Aqui Agora”, os apresentadores chamaram a atenção para um fato que ocorria naquele momento: uma garota ameaçava se jogar do alto de um edifício, para perplexidade e desespero dos telespectadores. O que todos temiam aconteceu: a garota se jogou e morreu. Tudo foi exibido ao vivo. Roberto automaticamente se lembrou da cena do edifício Andorinha e novamente se abalou. Pensava que aquela garota poderia ser sua filha e imaginava o desespero de vê-la se suicidando ao vivo, na frente de milhares de telespectadores horrorizados.

Com o passar dos anos, o sensacionalismo estaria sempre presente na vida de Roberto de diversas formas, como nos programas similares ao “Aqui Agora” e até mesmo em telejornais “normais”. O último show de horror que assistiu foi a cobertura do massacre na Escola Tasso da Silveira, no bairro do Realengo, no Rio de Janeiro. As imagens das crianças correndo ensangüentadas e desesperadas foram deprimentes para o nosso personagem, que já era avô. Quanto mais as imagens se repetiam, mais agoniado ele ficava.

Pouco tempo depois, Roberto estava na rua, quando, de repente, um tiroteio entre policiais e bandidos se iniciou. Muitos conseguiram correr, mas nosso ilustre telespectador não teve a mesma sorte. Foi atingido por uma bala perdida e faleceu ali mesmo. Sua morte ganhou espaço nos principais programas de TV. Em alguns deles, seu corpo morto e ensangüentado foi mostrado por inúmeras vezes, para o aumento no número do Ibope de tais produtos televisivos.

Roberto tinha horror ao sensacionalismo, mas sua morte acabou sendo sensacional para editores e empresários midiáticos. Como diz aquela música da banda O Rappa, “nos jornais, eu vejo o meu sangue como capital...”.

* Roberto é um personagem fictício

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